Imagine
que você está em um país e não conhece a língua local. As pessoas ao seu redor se
comunicam, riem, falam e você não consegue compreender. Como você se sentiria?
Pois a vida de Cláudio Henrique
Nunes Mourão, Carolina Cormelato Sperb – doutorandos em Libras – e de cerca de 9,7
milhões de surdos no Brasil é assim, segundo o Censo realizado pelo IBGE, em
2010. Cláudio e Carolina são doutorandos e estiveram na Uníntese em Santo
Ângelo, para avaliar os acadêmicos do curso de pós-graduação Lato Sensu em
Língua Brasileira de Sinais (Libras).
O
curso
A
partir da promulgação do Decreto Federal nº. 5626/2005, todas as escolas e
universidades do País têm a obrigação legal de oferecer Língua Brasileira de
Sinais como disciplina obrigatória em todos os cursos de formação de professores
e nos cursos de fonoaudiologia. O mesmo Decreto assegura que todo o aluno surdo
tem direito a um intérprete.
O
curso de pós-graduação em Libras da Uníntese, hoje com turmas em diversas
regiões do Brasil, dispõe de formação para o ensino e para a tradução e interpretação
da Língua de Sinais. Ainda, tem como diferencial o ensino da língua para que
todas as pessoas tenham condições de trabalhar neste mercado. Para esta edição
da banca de proeficiência, que aconteceu na sede da Uníntese em Santo Ângelo,
estiveram presentes como avaliadores dois representantes da comunidade surda com
trabalho de destaque nacional, os doutorandos Carlos Mourão e Carolina Sperb.
Para
Cláudio, mais conhecido como Cacau, na maioria das vezes os ouvintes são mais difíceis
na avaliação do curso, principalmente quando eles não interagem. “Mas na verdade
se não estudarem, vai ser difícil tanto para o ouvinte quanto para o surdo. Aqui
o importante é o estudo e o empenho”, relata Mourão.
Família
Cláudio
relata que dentro da família há exclusão. “Já aconteceu no almoço de todos
estarem rindo e eu lá sem entender nada. Então uma vez levei uma colega e toda
a família parou admirada para olhar a gente conversar e eles não nos entendiam”
comenta.
Para
Carolina a família tem fundamental importância em apoiar e se empenhar em
aprender Libras e não forçar a comunicação oral. “Sabemos da influência clínica
em usar aparelhos, oralizar. Mas o que realmente facilita a comunicação para o
surdo é a Libras. A comunicação oral é muito falha para os surdos, apenas 20%
consegue-se compreender, e ainda comandos básicos como água
e banho”,
salienta Carolina.
Inclusão Social e Educação
Ensino de qualidade
Com relação ao sistema de educação no Brasil,
Cacau fala que para o surdo a Libras é sua primeira língua, e que devemos
modificar o contexto histórico de exclusão do surdo no ensino de qualidade.
Para ele a atual metodologia utilizada não traz um aprendizado efetivo. “Durante
anos decorei o conteúdo, porque não entendia o que os professores passavam. Depois
com a Libras passei a compreender e estudar. Hoje falo 5 línguas: Língua de
Sinais Brasileira, Sinais Americana do EUA e Língua de Sinais Internacionais,
Português e Espanhol escrita”, afirma o professor.
A
participante da banca, Caroline, conta que já começou a vida escolar na escola
de surdos, apenas depois de um tempo houve pressão para que ela oralizasse e
escutasse, então ela foi para a terapia fonoaudiológica e teve ensino com
ouvintes. “Na escola não tinha intérprete e tive muitas aulas de reforço.
Infelizmente ainda acontece de os professores promoverem alunos com deficiência
e realmente os professores me davam nota. Porém sempre tive o apoio da família
para acompanhar o conteúdo. Em uma gincana de matemática na quarta série eu
tirei o quarto lugar, competindo com ouvintes. A partir dessa conquista
começaram a me respeitar, antes me chamavam de burra ou muda”, comenta
Carolina.
Inclusão social
Para
Cláudio existem dois tipos de inclusão, a social, que para ele está maravilhosa,
e que “aos poucos temos acessibilidade, temos intérpretes, legendas na
televisão e há pouco tempo consegui viajar sozinho para a Europa”. Mas com
relação à inclusão na educação, ainda está a desejar. “Sou contra a educação
que não tem as ferramentas necessárias para aprender;
isso não
funciona. Sou a favor da escola bilíngue que ensine as duas línguas, tendo a
Libras como primeira língua e a segunda o português. Para que depois possam
acompanhar com intérprete no Ensino Médio e na Universidade”, salienta Cacau.
Para
a doutoranda Carolina a inclusão tem vários aspectos, como o da proposta do
Atendimento Educacional Especializado, de aprender Libras no contraturno. “O
aluno acompanha as disciplinas normais durante o dia. Eu não concordo. Porque
os ouvintes terão que aprender no horário normal e eu enquanto surda vou ter
que vir em outro horário extra para poder aprender algo que é do meu direito”,
ressalta Carolina.
Ela
afirma ainda que os movimentos de surdos estão aprovando muitos projetos para
melhorar a inclusão. “Contudo a inclusão escolar na realidade ainda é
deficiente, porque está mascarando o uso da Libras”, comenta a doutoranda.